Preto, pobre e suburbano

Esse aqui é o cotidiano de um simples jornalista carioca que mora e circula pra cima e pra baixo na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Mas acaba sempre voltando pra a base, em Bangu - terra onde só os fortes sobrevivem pq é longe pra burro e tem que ter saco pra aturar as idas e vindas...

segunda-feira, agosto 30, 2004

Uma lição

Chatão, acabaram-se os Jogos Olímpicos. Eu q sou fã de esportes em geral fico feliz como criança vendo as zilhões de modalidades esportivas. Claro q vibrei pra cacete, fiquei emocionado em outras horas, bem triste e decepcionado em algumas. Se tinha brasileiro, tava lá eu vendo, torcendo pelo cara.
E após o q pareceu ser o encerramento da participação brasileira em Atenas, com a vitória do time de vôlei mais uma vez sobre a Itália. Foi a terceira vitória seguida num espaço de pouco mais de um mês. Moral, né? Quando a galera do Bernardinho ganhou sua medalha de ouro, veio aquele q vai ficar pra mim como o grande momento brasileiro desses jogos.
Pouco após a vitória do vôleu eu zapeava pelos canais. E começou a maratona. Fiquei lá olhando. Um sul-africano ganhou a dianteira e foi um mulão (enteda-se bloco de gente, multidão) correndo junto atrás. Vou pra outro canal, volto pra lá e já tava o brasileiro na frente.
Tava lá magrinho, magrinho, com aparência de gente sofrida, camisa azul com detalhes em amarelo nas laterais. No peito, o número 1234 e pouco acima, lia-se: Brasil. Já tinha ouvido falar nele, sempre tava lá, correndo atrás nas corridas de fundo. Vanderlei era o cara. Eu não ia lembrar o nome nunca, mas televisão ajudou.
Pensei q ia só puxar a prova e depois ia voltar pro bolo. Engano. O maluquinho montou o porco e varou. Ficou lááááááá na frente. Quem ia pegar ele? Ninguém. Má ninguém mermo.
Pô, lá fui eu voltar a vibrar e torcer por um conterrâneo.
O Vanderlei tava benzaço, longe todas vida dos demais. Até a hora em q aquele furingudo, péla-saco irlandês entrou na pista e carregou ele pra fora. A televisão não mostrou o exato momento. O grego tirou a câmera de cima dele na hora. Não entendi o pq, mas depois voltaram a mostrar o ocorrido. O escrotinho maluco tirou Vanderlei da pista. Q ódio, cara. Q ódio. Cadê a polícia? Cadê a tão propalada segurança q foi armada pros jogos? Só os estadunidenses tiveram direito a ela? E o atleta desse paizinho de terceiro mundo chamado Brasil? Ficou ao alcance do péla-saco maluco q o prejudicou. Fiquei imaginando se o maluco faz isso na frente da gentil Polícia do Rio... Ih... mas ia sumir num estalo e provavelmente nunca mais seria encontrado.
O nosso magrinho levantou e começou a correr de novo. Tava com uma expressão de pânico. Chorou. Fiquei bolado vendo o cara chorando (mas sem parar de correr). Preocupação mermo. Imagina, o cara tá vivendo o seu maior momento esportivo, treinou à vera praquilo e um irresponsável de fora de tudo aquilo vai e o prejudica.
O italiano q ganhou a prova veio inteiraço, passou Vanderlei. Veio uma sopa de letrinhas q competia pelos Estados Unidos e tb passou Vanderlei. Aí acho q ele se concentrou de novo e voltou a correr na moral.
Voltou e ficou com a medalha de bronze. Uma vitória. Vitória mermo depois desse perrengue ainda subir ao pódio.
Eu fiquei com tanta raiva do irlandês, má tanta q não sei explicar. Um ódio absurdo pelo indivíduo me tomou por dentro. Eu não parava de dizer “dum cara desses se tem tirar sangue do nariz. Tirar sangue da boca e de quebra, uns dentes tb”. Dormi com essa idéia na cabeça.
Hoje pela manhã vou assistir, como sempre, os jornais. Vanderlei sangue bom deu entrevista coletiva. E o cara falou uma parada q me deixou desbundado. Foi o melhor ‘cala boca’ q já tomei em toda a minha vida. Enquanto todos estávamos tomados para uma enorme indignação, tava lá o Vanderlei amarradão por sua conquista, com sua medalha no peito. E não parou só nisso, disse q teria ganho só mais uma medalha. Que as coisas não acontecem à toa. Que o surgimento do irlandês que o a agrediu fez sua conquista ser diferente, especial, de superação ainda maior. Q fez seu reconhecimento ser maior do q o da medalha de ouro. Q sua maior recompensa foi chegar ao estádio e ser o maratonista mais aplaudido, mais ainda q os dois primeiros.
Engoli todo o meu ódio e tive q bater palmas pra simplicidade do Vanderlei.
De lambuja, pela sua perseverança o maratonista ainda ganhou a tal medalha Pierre de Coubertain, segundo o Comitê Olímpico Internacional, uma tremenda honra. Q bom, parabéns. Mas queria muito q a ação movida pelo Comitê Olímpico Brasileiro q pede para a prova duas medalhas de ouro tivesse sucesso. Mas mesmo não tendo, já valeu por ter assistido ao vivo Vanderlei dar a volta por cima, ganhar sua medalha na raça e ainda ter uma atitude dão superior a maioria das pessoas (inclusive eu), de não guardar mágoa e ser feliz por sua conquista.