Preto, pobre e suburbano

Esse aqui é o cotidiano de um simples jornalista carioca que mora e circula pra cima e pra baixo na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Mas acaba sempre voltando pra a base, em Bangu - terra onde só os fortes sobrevivem pq é longe pra burro e tem que ter saco pra aturar as idas e vindas...

quarta-feira, outubro 22, 2008

Coisificação

Dia desses estava no ponto do 1132, o ônibus que substituiu no meu cotidiano o famigerado 393. É mais caro, mas opto por meter a mão no bolsinho, ficar menos tempo na fila e ir pra casa babando sob um, as vezes, congelante ar-condicionado, e tendo sonhozinhos. Pode-se dizer que o ponto do ônibus, o Terminal Menezes Cortes, no Centro do Rio, é o mais perfeito mafuá. As filas para diferentes ônibus se cruzam, uma passa por dentro da outra e só não dá confusão por conta da boa vontade das pessoas. O lugar pertence ao governo fluminense, está ligado à Coderte, mas é um ambiente ridículo, fica embaixo do edifício garagem que recebe o mesmo nome do terminal e tem infra-estrutura alguma. Os motoristas, ao saírem dos seus ônibus, dão singelas mijadinhas nas rodas dos coletivos, pelo lado da pista.

Esse era o quadro cotidiano, o simpático caos carioca na hora do rush. A fila estava lá, com todos de pé a espera da condução quando um barulho seco veio da fila ao lado. Um sujeito caiu. Simplesmente caiu pálido, com a camisa aberta até o meio do peito, de calça e sapatos, tinha o aspecto de ser um trabalhador normal.

Duas pessoas estavam com ele. Um senhor e uma moça. O senhor deu tanto tapa na cara do sujeito estatelado, mas tanto tapa que fiquei assustado. O esforço a base de bofetada não rendeu. Enquanto isso, o sujeito continuava lá, imóvel, pálido. Eles deram a entender que o caído tinha era tomado cachaça além da conta. E a fila crescia.

Ligou-se para o Samu, o 192, longos minutos até que alguém atendesse. Várias, várias perguntas para que um carro de socorro fosse enviado até ali. Passou um par de minutos e pessoas começaram a simplesmente saltar sobre o cara caído. Passava um, olhava e pulava o cara. Chegava outro, que sequer olhava, e mais um salto. Por um breve momento virou a principal atração do local, mas depois, devido ao tratamento (ou falta dele) dada pelos demais, parecia ser visto pelas pessoas como um pedaço de papel no chão.

Eu seguia na fila, olhando pra trás. Sabe aquela inútil e aflita curiosidade? Olhava, pro cara, olhava pra pessoas, olhava pra entrada do terminal esperando a ambulância. Apareceu um sujeito que se ajoelhou do lado do caído, tirou o pulso e tudo mais. Chegou outra pessoa que teve o mesmo procedimento.

O cara da empresa de ônibus que tem uma salinha ali do lado chegou, olhou, salto o caído, foi até um ônibus e voltou. A situação era absolutamente incômoda, o que fazer? Onde estava a ambulância? O cara tinha desmaiado há quinze minutos e nada de socorro.

O 1132 chegou e parti. Ficaram o caído, os dois acompanhantes e mais uma senhora. Nada mais.