Preto, pobre e suburbano

Esse aqui é o cotidiano de um simples jornalista carioca que mora e circula pra cima e pra baixo na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Mas acaba sempre voltando pra a base, em Bangu - terra onde só os fortes sobrevivem pq é longe pra burro e tem que ter saco pra aturar as idas e vindas...

quarta-feira, setembro 29, 2004

Q vergonha de mim
O retorno pra Bangu, pra variar, foi no trem. Peguei o Santa Cruz das 19h25 na Central. Pulei fora da composição já por volta das 20h, em Guilherme da Silveira. Passei a roleta que dá saída da estação. E comecei a caminhar. Nisso, um senhor de sapato preto, calça jeans, camisa quadriculada e uma maletinha, havia passado tb a roleta e pegava o mesmo caminho q eu.

A diferença de temperatura de quando pegamos o trem na Central e descemos na nossa estação era grande. Havia baixado uns três graus mais ou menos. Rolava um ventinho dando pinta q o tempo ia virar.

Susto
Ele se aproximou e falou do tempo. Algo do gênero “esse tempo mata nossa saúde”. Puts, levei um susto. Passei uns rápidos instantes de medo. Medo! Eu tive medo dum cara q é trabalhador e desceu do trem comigo!! Q vontade de por a cabeça num buraco na terra. Respondi ao senhor e seguimos conversando por cerca de 500 metros.

Ele falou q parte da culpa dessas mudanças climáticas meio loucas é nosso pq descuidamos do meio ambiente. Concordei e falei q, por exemplo, nós mesmos sujamos horrores os rios q cruzam as Zonas Norte e Oeste da cidade e que deságuam na Baía da Guanabara. Acabamos culpando municípios da Baixada e outros mais pobres injustamente.

Simplicidade
Ele veio e falou q procurava não sujar nada. Guardava papéis nos bolsos pra jogar em casa e procurava jogar coisas fora nas lixeiras e não no chão (coisa comum no público ferroviário).
Falou q tinha visto cidades no interior onde não se via papel no chão. Disse q já tava velho, com 50 anos, pra acreditar q veria as pessoas sendo mais educadas.Chegamos à esquina das Ruas Ribeiro de Andrade com Francisco Real.
Segui pela Ribeiro, ele foi pela Francisco Real. Não sei seu nome, não sei onde mora, não sei qual sua profissão, provavelmente nunca mais o verei e, se vê-lo, não vou conhecê-lo. Sinto vergonha pela minha primeira reação, mas a simplicidade do senhor conquistou minha simpatia.
Devo estar convivendo demais com a galerinha classe média amendrontada demais. Eu nunca teria levado um susto nessas condições. Muito pelo contrário. Fazer o q? Já passou. Logo eu q vivo tacando pedra nesse tipo de preconceito fui acabar fazendo a mesma coisa.