Preto, pobre e suburbano

Esse aqui é o cotidiano de um simples jornalista carioca que mora e circula pra cima e pra baixo na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Mas acaba sempre voltando pra a base, em Bangu - terra onde só os fortes sobrevivem pq é longe pra burro e tem que ter saco pra aturar as idas e vindas...

terça-feira, março 23, 2004

Peguei esse post da companheira baiana, a Duda. É uma matéria publicada sábado passado no Jornal A Tarde, da Bahia, q não chega nem por perto daqui do Rio. Como os caras pedem senha e tal pra entrar na págia, eu nem leio, passo batido. Como ela postou e fala de intolerância religiosa, algo q vejo de forma bem incômoda, resolvi 'roubar' e postar aqui.

Universal condenada por intolerância

Familiares da ialorixá Mãe Gilda são vitoriosos e podem ganhar R$ 1,3 milhão em decisão da Justiça já considerada histórica

CLEIDIANA RAMOS

A decisão do juiz Clésio Rômulo Carrilho Rosa, da 17ª Vara Cível de Salvador tem tudo para fazer história no combate à intolerância religiosa. No dia 13 de janeiro deste ano, o magistrado assinou sentença que obriga a Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) a indenizar os familiares da ialorixá Gildásia dos Santos e Santos, a Mãe Gilda, em pouco mais de R$ 1,3 milhão, por danos morais. Em outubro de 1999, o jornal da igreja, Folha Universal, publicou uma foto de mãe Gilda numa matéria com o título ¿Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes¿. A Iurd tem até o dia 30 de março para recorrer da decisão.

Além do pagamento da indenização, o juiz determina que a Iurd, que foi acionada conjuntamente com a Editora Gráfica Universal, publique na primeira página da Folha Universal e na capa do seu encarte Folha Dois o teor da decisão por dois números consecutivos. O descumprimento da decisão rende multa diária de R$ 5 mil.

A decisão é de primeira instância e ainda cabe recurso dos réus, mas já é considerada um grande passo na luta do culto africano contra a intolerância religiosa que vem perseguindo o candomblé e a umbanda nos últimos anos, inclusive, na Bahia, chamada de berço da cultura negra no Brasil.

¿Essa não é uma vitória apenas da comunidade do Terreiro Axé Abassá de Ogum, mas de todo o povo do candomblé que sofre perseguição religiosa. Foram quatro anos de espera, de luta¿, desabafa a ialorixá Jaciara Ribeiro dos Santos, filha e sucessora de Mãe Gilda no comando da Casa, que fica em Itapuã.

A primeira vitória no processo tem toda uma simbologia para a comunidade do Axé Abassá, pois eles entendem o ataque como estritamente ligado à perda da sua sacerdotisa. Três meses depois de ter sua foto divulgada pelo jornal evangélico, Mãe Gilda morreu por conta de um infarto fulminante.

¿ Minha mãe era hipertensa, mas tinha uma vida saudável, se cuidava, fazia hidroginástica. Depois da matéria no jornal da Universal, ela ficou extremamente deprimida, pois muita gente chegou até a imaginar, ao ver o jornal, que ela tinha se convertido à Igreja Universal. Foi muito desgastante. Ela assinou a procuração para que os advogados entrassem com o processo no dia 20 de janeiro de 2000 e morreu no dia seguinte¿, relata Jaciara.

Um projeto de autoria da vereadora de Salvador, Olívia Santana (PCdoB), transformou o dia 21 de janeiro, data da morte de Mãe Gilda, em Dia do Combate à Intolerância Religiosa.

IMPEACHMENT ¿ A foto utilizada pela Iurd no jornal é uma reprodução da que ilustrou a matéria da revista Veja, de 26 de setembro de 1992, sobre manifestações pelo impeachment do então presidente Fernando Collor. Na matéria da Veja, Mãe Gilda aparece com suas roupas de sacerdotisa, tendo aos pés uma oferenda pelo afastamento do presidente.

A imagem de Mãe Gilda foi reproduzida numa matéria do jornal Folha Universal da Iurd, edição de 26 de setembro a 2 de outubro de 1999, rodeada por recortes que oferecem serviços de ajuda espiritual para resolver problemas. O texto diz que estava crescendo no Brasil um mercado de enganação.

Na foto utilizada pelo informativo, Mãe Gilda aparece com uma tarja preta nos olhos. A capa do jornal traz informações de que a sua circulação é nacional, com tiragem de mais de 1 milhão e 372 mil exemplares, exatamente o valor da indenização em reais que agora a sentença judicial obriga a Universal a pagar aos familiares de Mãe Gilda.

¿Nós tínhamos em casa guardada a reportagem da Veja. Um dia andando aqui em Itapuã eu recebo o jornal da Universal e dou com a mesma foto numa reportagem extremamente ofensiva. Dois meses antes o terreiro já havia sido invadido por membros de uma outra igreja evangélica, ou seja, foi o segundo ataque consecutivo que minha mãe sofreu por causa da sua crença¿, narra Jaciara. A partir deste dia Jaciara apoiou a mãe a mover uma ação judicial. Com a morte de Mãe Gilda ela assumiu o comando da batalha.

¿Corri atrás, busquei apoio e consegui a ajuda valiosa do pessoal da ONG Koinonia, que nos deu toda a assessoria jurídica. Chegamos a ir até Brasília, numa caravana que reuniu mais de 400 pessoas. Fomos recebidos pelo presidente Lula e entregamos a ele um dossiê sobre a intolerância religiosa que volta e meia atinge um terreiro aqui na Bahia. Agora finalmente ganhamos a primeira batalha¿, relata Jaciara.

A ONG que deu a assessoria para o processo, a Koinonia, palavra que significa ¿comunhão¿, foi criada há dez anos e trabalha em parceria com a Associação dos Advogados dos Trabalhadores Rurais (AATR-BA). ¿O trabalho com os terreiros começou na área ambiental e daí foi percebida a necessidade que eles tinham no campo jurídico, para regularização de áreas, organização jurídica para os seus trabalhos sociais¿, explica a advogada Helga de Almeida.