Preto, pobre e suburbano

Esse aqui é o cotidiano de um simples jornalista carioca que mora e circula pra cima e pra baixo na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Mas acaba sempre voltando pra a base, em Bangu - terra onde só os fortes sobrevivem pq é longe pra burro e tem que ter saco pra aturar as idas e vindas...

segunda-feira, dezembro 22, 2003

Matéria de capa ontem do Segudno Caderno do Globo. Vamos ver se o preconceito bate no funk outra vez.

Só não ponho crédito do coleguinha q fez pq nao sei mesmo.

Como é, quem faz e como são os bailes da música que já foi confundida com o crime e proibida, mas hoje contagia
a cidade


Campo Grande: depois de pegar uma estrada de terra e passar por um casal a cavalo, o carro pára num engarrafamento. É a entrada do baile funk. Lá dentro, centenas de pessoas dançam embaixo de coberturas de madeira e palha. Humaitá: no Ballroom, meninos e meninas que são figurinhas fáceis no Posto Nove balançam a mãozinha e rebolam até o chão quando o DJ Marlboro começa a tocar. Morro Dona Marta: mesmo sem o teto de zinco, levado pela ventania da semana anterior, a quadra da escola de samba local recebe os fãs de outra batida. Clube do Boqueirão, na vizinhança do MAM: no encontro das equipes CurtiSom e Big Mix, os marinheiros de primeira viagem experimentam o volume e o ritmo da música, que mexe com o corpo, acelera o coração e chega a causar falta de ar. Também se espantam com a multidão que mistura negros e brancos democraticamente. Eles dançam em paz até altas horas. O bonde do funk agora circula pela cidade inteira. E cada vez mais lotado de passageiros.

— O funk é a cola da cidade partida — define o DJ Marlboro, que em outubro, no TIM Festival, tocou até as sete da manhã e mostrou que, desta vez, o ritmo pode ter descido o morro definitivamente para contagiar da Zona Norte à Zona Sul. — Foi emocionante ver todos enxergando uma verdade que está na música: “É som de preto/ De favelado/ Mas quando toca, ninguém fica parado”. Naquele dia, eu me senti como o Lula no poder.

Não é para menos. Marlboro é um dos maestros de um movimento que este ano, além do TIM, invadiu lugares antes inimagináveis. Foi parar na TV em horário nobre, com direito a um episódio inteiro da minissérie “Cidade dos homens” e à musa Carolina Dieckmann seduzida pelo pancadão no programa “Cena aberta”. E se transformou no tema de um aclamado desfile da Blue Man no Fashion Rio. Se antes já era reverenciado por artistas como o ministro da Cultura, Gilberto Gil, os cantores Caetano Veloso e Fernanda Abreu e a atriz Regina Casé, hoje domina a noite de lugares tão díspares quanto a Mariuzin, em Copacabana, onde Marlboro toca hoje a partir das 17h, e a Fundição Progresso, que vai sediar um animado baile no próximo sábado. Uma das promessas do verão é a noite funkeira que a sede do Flamengo, na Gávea, vai abrigar em todos os fins de semana de janeiro.

— No TIM, tive a impressão de que a boa aceitação do funk pode ser definitiva. Foi como se de repente aquelas pessoas pensassem: “Ei, podemos gostar disso. Todo mundo diz que esta música é ruim, mas a gente gosta”. Parecia um grito de carnaval, um grito de liberdade — diz o antropólogo Hermano Vianna, que, em 1988, já percebia a força do ritmo e lançava o livro “O mundo funk carioca” (Zahar, hoje esgotadíssimo), apresentando pela primeira vez o movimento para quem não morava no subúrbio.

Hermano lembra que o funk tentou ultrapassar os limites da periferia outras vezes:

— Mas sempre acaba voltando para o morro, porque foi muito perseguido. A desinformação faz com que funkeiro seja tratado como bandido. Depois do verão do arrastão (em 1992), o funk passou a ser apontado como o culpado de tudo o que acontecia de ruim na cidade. Mas isso pode estar mudando. O tempo que a classe média passou ouvindo música eletrônica abriu seus ouvidos.


Tem a segunda parte, mas nao deu pra arrumar pra postar.