Preto, pobre e suburbano

Esse aqui é o cotidiano de um simples jornalista carioca que mora e circula pra cima e pra baixo na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Mas acaba sempre voltando pra a base, em Bangu - terra onde só os fortes sobrevivem pq é longe pra burro e tem que ter saco pra aturar as idas e vindas...

quinta-feira, julho 17, 2003

Matéria do O Globo, só não ponho o crédito do coleguinha que fez pq não faço idéia de quem foi.

UM BONEQUINHO QUE ABALOU BANGU
13/07/2003

Inspirado no personagem das críticas de cinema do GLOBO, Bonequinho Vil é sucesso nas lonas culturais

O nome de batismo é Marcus Vinicius Oliveira. O apelido é Saúva — herança dos tempos de criança, quando, por causa dos cabelos avermelhados, era associado à formiga. Mas, de seis anos para cá, vem ganhando fama na Zona Norte e nos subúrbios cariocas com outros nome e sobrenome: Bonequinho Vil. Qualquer semelhança com o Bonequinho Viu, que desde 1938 ilustra as críticas de cinema do GLOBO, não é mera coincidência. Pelo menos duas vezes por semana, ele se veste com uma malha preta com um detalhe nas costas imitando páginas de jornal, põe um gorro, pinta o rosto de branco e vive um personagem que, se não critica os lançamentos cinematográficos como seu quase homônimo, não economiza farpas às principais notícias da temporada.

— O Bonequinho Vil é um primo distante do Bonequinho Viu — fantasia Marcus Vinicius, de 32 anos. — Ele também trabalhava no GLOBO, mas foi expulso porque era mau. O Bonequinho Viu é todo preto porque O Bonequinho Vil nasceu em 1995. Naquele ano, Marcos Nascimento dirigiu e escreveu “O diário de um magro”, sátira a “O diário de um mago”, de Paulo Coelho. No palco, Marcus Vinicius se revezava em três personagens: o analista do magro, um menino que tinha estudado com ele e o médico que, ao fazer o parto, confundiu o bebê com uma lombriga. No cartaz da peça, o ator vivia pela primeira vez o Bonequinho Vil. Só que numa posição em que a figura das críticas de cinema nunca apareceu: arremessando uma cadeira.

Nas primeiras aparições, Bonequinho Vil nem falava

Do cartaz de “O diário de um magro” para o palco foi um pulo. A primeira aparição aconteceu em 1997. No início, era um precursor dos papéis de Rodrigo Santoro no cinema americano: não dizia uma só palavra. Expressava-se por gestos, ao estilo de Marcel Marceau.

— Este é o mestre da parada — reverencia Marcus Vinicius, que, com o tempo, sentiu necessidade de falar. — Mas, como ele é um bonequinho, não poderia falar como gente. Inventei um jeito enrolado de ele falar. Só quem entende o que ele diz é o Marcão (apelido de Marcos Nascimento), que traduz tudo para o público.

Na verdade, nem tudo.

— Ele é muito desbocado. Às vezes, preciso trocar palavrões por algo mais leve — brinca Nascimento.

Desde a primeira aparição, o quadro faz parte do Conversa Fiada, projeto que é apresentado nas lonas culturais da prefeitura. No início, o quadro aparecia no meio do espetáculo. Hoje, é a principal atração e, portanto, só entra em cena no fim.

— Deixamos o Bonequinho Vil para o fim porque chegou uma hora em que as pessoas iam embora assim que ele saía do palco — conta Nascimento.

E não é papo de diretor. Na última quarta-feira, mais de dois mil jovens se apinhavam dentro e fora da Lona Hermeto Pascoal, em Bangu, para poder ver o esquete do Bonequinho Vil. O clima era de show de rock regado a brindes (bananada, sacolé de manga e guaraná Buzz), palmas e muitos, muitos gritos.

— Lindo! — gritavam as meninas, imediatamente notadas pelo Bonequinho Vil, que retribuía com beijos e sorrisos.

— Mentiroso! — berravam os meninos, principalmente quando ele se vangloriava de já ter “traçado” mulheres glamourosas como Britney Spears e Giselle Bündchen.

E nem assim o Bonequinho Vil perdia a pose:

— Oi, Comenínguem — respondeu, ao ser chamado de Bonequinho Virgem por um rapaz na platéia.

Ser um mentiroso de carteirinha é o maior defeito, ou qualidade, do Bonequinho Vil. Além de dizer que já saiu com as maiores beldades, o personagem se diz testemunha de todas as notícias que comenta. Bem ao estilo Forrest Gump. Na semana passada, por exemplo, descreveu sua defesa dos estudantes na passeata contra a suspensão do passe livre, quando teria derrubado com seus golpes mais de 180 policiais. Golpes que ele teria aprendido com Bruce Lee, é claro. Ele também se diz amigo íntimo de Steven Spielberg, que cuida dos seus “defeitos especiais”, e sobreviveu à queda do World Trade Center.

— Ele tentou sinalizar para que um dos aviões mudasse de rota, mas não deu certo — brinca Marcus Vinicius, comemorando a empatia que o personagem tem com o público. — Ele é a cara do povão. Diz o que todos gostariam de poder dizer.

Jovens perderam a conta de quantas vezes viram esquete

Morador de Bangu, Diogo Ismaia já perdeu a conta de quantas vezes viu o Bonequinho Vil.

— Se eu fosse chutar, diria umas 20 — calcula o estudante. — De um jeito engraçado, ele critica os assuntos atuais, conscientiza os jovens.

Além de se apresentar na lonas culturais, Marcus Vinicius também leva semanalmente seu Bonequinho Vil para o Faetec, antiga Funabem. O mais perto que ele e seu parceiro chegaram da Zona Sul do Rio foi numa apresentação no Espaço Cultural da Constituição, no Centro. A dupla, que agora sonha em transformar o projeto num programa de TV e em curta-metragem, nunca se preocupou com isso.

— Acreditamos que o que acontece em Bangu acontece no mundo — orgulha-se Marcus Vinicius.