Preto, pobre e suburbano

Esse aqui é o cotidiano de um simples jornalista carioca que mora e circula pra cima e pra baixo na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Mas acaba sempre voltando pra a base, em Bangu - terra onde só os fortes sobrevivem pq é longe pra burro e tem que ter saco pra aturar as idas e vindas...

segunda-feira, agosto 18, 2003

E o samba embranquece

Não que embranquecer seja algo pejorativo, longe disso, sábado eu vi o senhor Otto Enrique Trepte mandado ver e mandando bem, no Portelão. Seu Otto, filho de alemão e branco por conseguinte, é o Casquinha da Portela. Não preciso falar mais nada. O que lamento é que o samba vem deixando de ser algo popular há algum tempo. Eu vejo isso com tristeza. Ele nasceu na Bahia, mas cresceu no Rio de Janeiro e foi aqui que passou a ser o meio com que os artistas populares se expressavam.

As rodas de samba rolavam por todo o canto, mas principalmente no subúrbio onde se concentrava a maioria da população de origem negra que curtia aquele tipo de manifestação folclórica. É, o samba é nosso folclore.

Com o passar do tempo, o samba abriu portas e não mais passou a se restrigir aos pobres. Esse mesmo samba cantado nas rodas perdeu espaço no subúrbio. Hoje o samba que se ouve nos bairros populares da cidade são aqueles tocados nas rádios, o que é pejorativamente chamado pagode. Bom, ao meu ver, a denominação tá errada, pq samba é samba. Pode ter samba pop e samba que não é pop, mas tudo é samba quer se queira ou não.

O samba de roda ainda sobrevive em pontos específicos, nos subúrbios ainda tem um espaço pequeno, bem pequeno. Mas há quase 20 anos foi nesse mesmo subúrbio onde comecei a ter acesso ao samba. Sempre rolava um pagodão na casa de uns parentes de um tio meu, meu tio negão, o Fernando. Meu primeiro referencial de samba veio dali, de quintais de casas em Guadalupe. Almir Guineto, Jovelina Pérola Negra, Dona Ivone, João Nogueira e até mesmo Zeca Pagodinha (na época, como bem lembrou há um tempo camaradinha Cesar Guerra Chevrand, era 'sambista de empregada doméstica). Hoje em dia tenho minhas dúvidas se aqueles pagodes seriam possíveis? As melodias fáceis ganharam espaço, mas mesmo assim ainda existem as letras que são pequenas crônicas, falando do cotidiano e da malandragem. Pena que perdendo espaço para aqueles que remetem a coreografias e canções baratas de dor de cotovelo.

O que está havendo com o samba?

Existem lugares associados a esse tipo de música, mas a sua maioria não ficam mais no subúrbio, onde ele cresceu e ganhou o Rio e o Brasil. Basicamente existe Madureira, com toda a sua magia relacionada ao samba, mas o grande lugar hoje é a Lapa.

A Lapa é de todos, é o espaço mais democrático dessa cidade. Todas as tribos se encontram lá, inclusive a tribo do samba. Só que o espaço do samba não é dedicado ao povo, mas a classe média. O samba tem o espaço mais nobre da Lapa. Criou-se um afastamento das classes que fizeram esse ritmo nascer. Ah, esqueci da Praça Tiradentes onde fica o Centro Cultural Carioca, do Candongueiro em Niterói, do Bip-bip, em Copa e com certeza faltou algum outro lugar...

Nesses lugares, onde se toca, se ouve e se dança samba, não há espaço para o cara simples, de classe média baixa ou até mesmo pobre. É um samba de branco, visto que os negros ou descendentes encontrados serão, em sua maioria, músicos ou funcionários da casa e pouquíssimos freqüentadores. O samba deixa de ser popular e passa a ser da classe média.

Os custos de uma noite regada a samba são altos, contabilizando a entrada (com o couvert da banda), o custo da cerveja (pra mim não há samba sem cerveja) fogem ao alcance do cidadão normal. O meu próprio bolso não segura essa onda. É muito caro.

Exemplificar é fácil. Uma cerveja em garrafa no bar onde bebi, semana passada, na Praça Tiradentes custava R$2,50. Uma cerveja em lata no Centro Cultural Carioca custava, no mesmo dia, R$2,80. O mesmo vai acontecer no Carioca da Gema, no Dama da Noite e até mesmo no finado Semente. Hoje em dia, gostar do bom samba, feito com poesia e emoção, o samba trabalhado e bem tocado não é para o bico do pobre. Parece estranho... o samba não é mais pro pobre...

Com isso cria-se uma ruptura em tipos de freqüentadores de samba. O pobre, vai ao ‘pagode’, ao qual ele tem acesso pq tem grana pra tomar sua cerveja, comer os petiscos e poder entrar. O classe média vai a roda de samba, onde vai gastar tres ou quatro vezes mais pq ele pode arcar com o custo.


Isso tudo me preocupa pq tira do samba o que, ao meu ver, lhe confere mais valor: alma popular. Tenho receio que ao se afastar da sua origem, perca seu referencial e, por conseguinte, o seu valor cultural.