Preto, pobre e suburbano

Esse aqui é o cotidiano de um simples jornalista carioca que mora e circula pra cima e pra baixo na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Mas acaba sempre voltando pra a base, em Bangu - terra onde só os fortes sobrevivem pq é longe pra burro e tem que ter saco pra aturar as idas e vindas...

quinta-feira, agosto 21, 2003

Camelôs no Santa Cruz

O meu trem é simplesmente o bom e velho Santa Cruz, ou seja, aquele que percorre o ramal Santa Cruz. É o mais longo trajeto dos trens urbanos do Rio. Como já escrevi em outra oportunidade, saio do trem na 24ª estação do ramal, a Guilherme da Silveira, bem em frente ao campo do Bangu, popularmente conhecido como Moça Bonita.

Pegando o 'trem rápido' são 40 minutos lá dentro, tempo suficiente pra ver bastante coisa. Ontem uns quatro camelôs chamaram minha atenção.

Primeiro passou uma moça que teve ter até menos idade que eu. Ela trazia um menino de cucuruto raspado no colo, uma outra criança a seguia toda sorridente e saltitante, porém sujinha, sujinha, driblando os passageiros e pulando de um vagão pra outro. A moça, a mãe, administrava os dois moleques enquanto vendia bananada. Até ontem eu não havia visto isso.

Enquanto ela foi pra outro vagão, chegou no que eu estava um tipo curioso. Um senhor negro, atarracado, de cabelo grisalho. Vestia um terno verde e carregava um bíblia na mão esquerda e um pacote de Biscoito Globo na direita. Pensei “é o Globo do Senhor”. Mas depois a ficha caiu. Que pensamento imbecil o meu. Preconceituoso com o credo do cara e sem levar em conta que um homem daquela idade estar trabalhando não deveria ser algo normal. Das duas uma, ou precisava reforçar a aposentaria, ou nem aposentadoria tem.

Depois pinto um mulato que chegou do meu lado com uma bolsa enorme. Parou, pôs a bolsa no chão. Abriu-a e de lá de dentro tirou um gancho que vinha trazendo, já devidamente ensacadinhos cebolas, cabeças de alho e umas paradas verdes que não soube identificar. Tudo por um real. Era comprar, ele punha em um saquinho preto já preparado pra isso e pronto. O cliente leva a cebola, o alho ou a parada que eu soube explicar pra casa na boa.

Por último, existia tb o cara que vendia de tudo. Vinha ele com um gancho pra pendurar nos suportes onde os passgeiros se seguram. O gancho trazia coisas embaldas como cachos de banana onde se via baralho, cotonete, bandeide, cadeado e até superbonder. Os trens são verdadeiros mercados populares de uma variedade que surpreende. Acho que qq indivíduo que topa ser repórter de cidade no Rio de Janeiro deveria obrigatoriamente viajar num transporte desses.