Preto, pobre e suburbano

Esse aqui é o cotidiano de um simples jornalista carioca que mora e circula pra cima e pra baixo na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Mas acaba sempre voltando pra a base, em Bangu - terra onde só os fortes sobrevivem pq é longe pra burro e tem que ter saco pra aturar as idas e vindas...

segunda-feira, junho 16, 2003

Será que eu vejo racismo e discriminação racial em todo canto?

Sabadão quando chegava eu no Parque Leopoldina, pedaço banguense que habito, quando me deparo com Minduím (atropelador e herói) e Binho. Esse é uma figura meio polêmica nos arredores, D. Glória o acha um pequeno demônio. Eu não vejo tanto mal no cara. A criatura é magrinha, magrinha, tão magro que alguns o chamam “Osso”, mas gosto dele. Ele me respeita e eu o respeito.

Binho não trabalha, vive de uma pensão aê, e é conhecido no bairro por ser uma figura esporrenta, zoadora e firuleira. Nada que o faça parecer alguém de mal para mim. Mas aí chegamos onde eu queria, o companheiro é (ou era) diretor da Torcida Jovem do Flamengo. Há algum tempo peço uma camisa da torcida a ele. Chato por chato, sou mais eu, e vou insistir até conseguir.

O diálogo foi o seguinte:

PPS: Cadê minha camisa?

Binho: Tu ainda quer?

PPS: Claro que quero.

Binho: Mas tu tá vendo que nego tá caindo de pau na gente, né.

Ele se referia a recente prisão de um diretor da torcida condenado por assassinato e pela campanha que o Dia tá fazendo, queimando o filme da torcida.

Binho: Pô, tão pegando no nosso pé pq a torcida é toda de marginalzinho pobre. Esquecem das outras.

Aconteceu comigo
E não é que o cara tem razão? A Torcida Jovem do Flamengo, a Jovem Fla, é conhecida justamente por ser formada pela galera mais mal encarada. Boa parte dos seus membros são aqueles moleques neguinhos ou mulatos, muitos deles bem magrinhos. O que, ao modo de ver da classe média, é o protótipo dos bandidos, dos traficantes. É só um cara desses chegar do lado que logo se sentem em perigo. Já aconteceu comigo. Já vi gente atravessar a rua pq eu ia caminhando na mesma calçada em direção as peças. Atravessei a rua tb e as figuras, com medo, voltaram pra calçada anterior. Ah, fala sério.

Uma coisa é importante frisar, não acredito que as torcidas sejam inteiramente formadas por marginais. Acredito que alguns realmente se metem ali no meio, mas pensar que todo membro de torcida organizada, na minha cabeça, é a mesma coisa que pensar que todo policial é corrupto. Não entra.

Impunidade
Há tempos atrás, quando eu era repórter, estive em contato com um delegado que investigava torcidas organizadas. O Papa Charles me disse algo que me deixou surpreso, as torcidas com mais crimes impunes eram a Young Flu (do tricolor) e a Força Jovem (do time da colina), formadas por jovens de classe média. As investigações não vão a frente porque boa porte dos moleques que faziam as cagadas tinham ‘costas quentes’. Da mesma forma existem outras torcidas basicamente de classe média como a Jovem do Botafogo ou a Fúria Jovem (também do Botafogo) e até mesmo a Raça Rubro-Negra.

E aí eu me pergunto, por que existe dois pesos e duas medidas? E me respondo: por conta do racismo e da discriminação social. E isso não é uma defesa da TJF, pq acho que quem tá errado, quem fez cagada tem que pagar mesmo. Mas não são só os caras de lá, os outros que tb têm coisas pra pagar tem que ser tratados da mesma forma, independentemente de serem classe média e brancos.