Carioca de almanaque
Camarada Filipe, que carinhosamente chamamos de "O Argentino", embora tenha apenas mãe chilena, pôs na cabeça que sou um carioca “bandeirola”. Pois bem, ele desencavou o texto de Paulo Roberto Pires publicado já há algum tempo no Nomínimo supostamente para ilustrar minha natureza “bandeirola”. Ou, como disse Paulo Roberto Pires, um “Carioca de Almanaque”. Peguei o texto e fui rebatendo ponto a ponto. Ufa, por um instante cheguei a duvidar de mim mesmo, mas me saí bem.
Na realidade um ponto da lista abaixo foi direto ao ponto quando se fala em Vicente: o item III quando diz que “O carioca de almanaque freqüenta o Centro histórico com ares de reverência”, sim, faço isso. Mas o resto do item não bate comigo. Os demais não funcionaram diante da minha alma suburbana que gosta de circular e viver a cidade (até mesmo a zona sul, mesmo com meu clássico bico pra esse pedaço do Rio).
"O Argentino" se rendeu à minha fanfarronice e viu q existe até um fundo de verdade na minha carioquice.
05/12/2004
Está cada vez mais chato ser carioca
De Paulo Roberto Pires/nominimo
Está cada vez mais chato ser carioca. Mais chato e trabalhoso depois que a cidade foi invadida pelos "cariocas de almanaque". Eles até podem vir de fora, mas em geral nasceram e vivem por aqui mesmo e decidiram, de um tempo para cá, que há um jeito cariocamente correto de se comportar que dá nos nervos de quem sempre cultivou esta cidade como um lugar de descompromisso e mistura, antídoto contra maltratos de governo, prefeitura, traficantes, polícia e árvore de Natal da Lagoa. Seguem os dez mandamentos desta nova cartilha, chaaaaata toda vida:
I – Para o carioca de almanaque, o melhor já passou. Sua palavra-chave é "revitalização" – do Centro da cidade, do botequim, do samba, do jongo e do carnaval – e seu principal objetivo é a busca de vestígios deste passado. Como Prousts de terreno baldio, saem por aí chamando bolinho de bacalhau de madeleine e mostrando o melhor caminho para o "legítimo", do chope ao alfaiate.
II - O carioca de almanaque nasce do amor dos cariocas pela cidade, mas repete a História como farsa. Para ele, o samba é o único horizonte de carioquismo. Torcem boquinha de nojo para o funk, deploram o samba-mauriçola e ignoram o mela-cueca dos happy hours do Centro da cidade, animados a teclado de contrabando. Como nas chanchadas da Atlântida ou no "Orfeu negro", o carioca é bicho que canta e dança (samba!) o ano inteiro.
III – O carioca de almanaque freqüenta o Centro histórico com ares de reverência. Está atrás de preciosidades da arquitetura eclética (êpa) e de "centros culturais". Adora um debate, persegue a tal da "vocação cultural" da cidade e adoraria morar num imóvel-revitalizado-do-corredor-cultural (ôpa).
IV – O carioca de almanaque é chegado a um extremo. Toma chope no Leblon cantando as maravilhas do mocotó de Senador Camará, vai a Campo Grande tomar caldinho de feijão e jura que conhece um tão bom no Centro. Na sua cidade não existem Bonsucesso ou Todos os Santos, bairros com baixíssimos teores de carioquismo correto.
V – Como adora uma tradição, o carioca de almanaque gosta de ir a uma roda de choro. E o faz contrito, como se fosse à missa. Valei-me São Jacob, a bênção meu Pixinguinha! Alegria, só se for sob controle: nada de falar alto ou dançar enquanto tocam. É preciso estar quieto e comportado para ouvir o ritmo "original", em geral também executado por cidadãos sérios e tristonhos.
VI – Num sábado de calor escaldante, o carioca de almanaque vai a Madureira para a feijoada da Portela. Lá é possível ouvir a Velha Guarda – outro fetiche recorrente – e se confraternizar com uma "comunidade" cariocamente correta. É imprescindível também ter alguém para chamar de "tia" e mostrar a intimidade com este Rio de Janeiro profundo.
VII – No bar, o carioca de almanaque já ocupou todos os espaços. Tem decorado o guia "Rio Botequim" e segue-o como a uma Bíblia, transformando em obrigação o que é para ser apenas sugestão. Tornou-se connaisseur de chope e gourmet de tira-gosto. Não come provolone aperitivo ou batata frita, o importante é testar os pratos mais exóticos e, também, chamar os garçons pelo nome – mesmo que Edílson vire Ivan e Ramos, Manoel.
VIII – O carnaval é a alta temporada do carioca de almanaque. Na temporada do "esquenta" todos acham o ensaio da Mangueira um horror (principalmente por sua organização e pela densidade de gringos) e, a cada ano, elegem a escola de samba que está revitalizando alguma coisa – também serve algum tipo de "resgate", outra das palavras mágicas.
IX – No carnaval cariocamente correto não pode haver multidão. A cada novo bloco que surge, ouve-se a frase: "Encheu demais, estragou". Pois, é claro, só poucos leram o almanaque e sabem inteirinha a letra de "Tatu subiu no pau" ou como dançar corretamente marchinhas e maracatus.
X – No fundo, o carioca de almanaque detesta a espontaneidade e a alegria. Por isso as transforma em obrigação e militância. Assim, aos poucos, vai matando o carioca que sobrevive, esquálido, ente um clichê e outro.
Camarada Filipe, que carinhosamente chamamos de "O Argentino", embora tenha apenas mãe chilena, pôs na cabeça que sou um carioca “bandeirola”. Pois bem, ele desencavou o texto de Paulo Roberto Pires publicado já há algum tempo no Nomínimo supostamente para ilustrar minha natureza “bandeirola”. Ou, como disse Paulo Roberto Pires, um “Carioca de Almanaque”. Peguei o texto e fui rebatendo ponto a ponto. Ufa, por um instante cheguei a duvidar de mim mesmo, mas me saí bem.
Na realidade um ponto da lista abaixo foi direto ao ponto quando se fala em Vicente: o item III quando diz que “O carioca de almanaque freqüenta o Centro histórico com ares de reverência”, sim, faço isso. Mas o resto do item não bate comigo. Os demais não funcionaram diante da minha alma suburbana que gosta de circular e viver a cidade (até mesmo a zona sul, mesmo com meu clássico bico pra esse pedaço do Rio).
"O Argentino" se rendeu à minha fanfarronice e viu q existe até um fundo de verdade na minha carioquice.
05/12/2004
Está cada vez mais chato ser carioca
De Paulo Roberto Pires/nominimo
Está cada vez mais chato ser carioca. Mais chato e trabalhoso depois que a cidade foi invadida pelos "cariocas de almanaque". Eles até podem vir de fora, mas em geral nasceram e vivem por aqui mesmo e decidiram, de um tempo para cá, que há um jeito cariocamente correto de se comportar que dá nos nervos de quem sempre cultivou esta cidade como um lugar de descompromisso e mistura, antídoto contra maltratos de governo, prefeitura, traficantes, polícia e árvore de Natal da Lagoa. Seguem os dez mandamentos desta nova cartilha, chaaaaata toda vida:
I – Para o carioca de almanaque, o melhor já passou. Sua palavra-chave é "revitalização" – do Centro da cidade, do botequim, do samba, do jongo e do carnaval – e seu principal objetivo é a busca de vestígios deste passado. Como Prousts de terreno baldio, saem por aí chamando bolinho de bacalhau de madeleine e mostrando o melhor caminho para o "legítimo", do chope ao alfaiate.
II - O carioca de almanaque nasce do amor dos cariocas pela cidade, mas repete a História como farsa. Para ele, o samba é o único horizonte de carioquismo. Torcem boquinha de nojo para o funk, deploram o samba-mauriçola e ignoram o mela-cueca dos happy hours do Centro da cidade, animados a teclado de contrabando. Como nas chanchadas da Atlântida ou no "Orfeu negro", o carioca é bicho que canta e dança (samba!) o ano inteiro.
III – O carioca de almanaque freqüenta o Centro histórico com ares de reverência. Está atrás de preciosidades da arquitetura eclética (êpa) e de "centros culturais". Adora um debate, persegue a tal da "vocação cultural" da cidade e adoraria morar num imóvel-revitalizado-do-corredor-cultural (ôpa).
IV – O carioca de almanaque é chegado a um extremo. Toma chope no Leblon cantando as maravilhas do mocotó de Senador Camará, vai a Campo Grande tomar caldinho de feijão e jura que conhece um tão bom no Centro. Na sua cidade não existem Bonsucesso ou Todos os Santos, bairros com baixíssimos teores de carioquismo correto.
V – Como adora uma tradição, o carioca de almanaque gosta de ir a uma roda de choro. E o faz contrito, como se fosse à missa. Valei-me São Jacob, a bênção meu Pixinguinha! Alegria, só se for sob controle: nada de falar alto ou dançar enquanto tocam. É preciso estar quieto e comportado para ouvir o ritmo "original", em geral também executado por cidadãos sérios e tristonhos.
VI – Num sábado de calor escaldante, o carioca de almanaque vai a Madureira para a feijoada da Portela. Lá é possível ouvir a Velha Guarda – outro fetiche recorrente – e se confraternizar com uma "comunidade" cariocamente correta. É imprescindível também ter alguém para chamar de "tia" e mostrar a intimidade com este Rio de Janeiro profundo.
VII – No bar, o carioca de almanaque já ocupou todos os espaços. Tem decorado o guia "Rio Botequim" e segue-o como a uma Bíblia, transformando em obrigação o que é para ser apenas sugestão. Tornou-se connaisseur de chope e gourmet de tira-gosto. Não come provolone aperitivo ou batata frita, o importante é testar os pratos mais exóticos e, também, chamar os garçons pelo nome – mesmo que Edílson vire Ivan e Ramos, Manoel.
VIII – O carnaval é a alta temporada do carioca de almanaque. Na temporada do "esquenta" todos acham o ensaio da Mangueira um horror (principalmente por sua organização e pela densidade de gringos) e, a cada ano, elegem a escola de samba que está revitalizando alguma coisa – também serve algum tipo de "resgate", outra das palavras mágicas.
IX – No carnaval cariocamente correto não pode haver multidão. A cada novo bloco que surge, ouve-se a frase: "Encheu demais, estragou". Pois, é claro, só poucos leram o almanaque e sabem inteirinha a letra de "Tatu subiu no pau" ou como dançar corretamente marchinhas e maracatus.
X – No fundo, o carioca de almanaque detesta a espontaneidade e a alegria. Por isso as transforma em obrigação e militância. Assim, aos poucos, vai matando o carioca que sobrevive, esquálido, ente um clichê e outro.
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