Vendo a cidade se preparando para o carnaval me veio à cabeça um verso do samba da Mangueira q homenageou o Drummond, o verso diz "O Rio toma forma de sambista" e é o q estou vendo. Os enfeites na Presidente Vargas, a decoração na Rio Branco, a preparação do sambódromo, tudo remete aos dias de folia. Até o clima na cidade já muda. É algo meio q um espera ansiosa. Assim como eu mesmo me encontro.
Bom, a poesia do Drummond é essa. É uma homenagem ao Rio.
RETRATO DE UMA CIDADE
I
Tem nome de rio esta cidade
onde brincam os rios de esconder
Cidade feita de montanha
em casamento indissolúvel
com o mar.
Aqui
amanhece como em qualquer parte
do mundo
mas vibra o sentimento
de que as coisas se amaram durante a noite.
As coisas se amaram. E despertam
mais jovens, com apetite de viver
Os jogos de luz na espuma,
o topázio do sol na folhagem,
a irisação da hora
na areia desdobrada até o limite do olhar.
Formas adolescentes ou maduras
recortam-se em escultura de água borrifada.
Um riso claro, que vem de antes da Grécia
(vem do instinto)
coroa a sarabanda a beira-mar.
Repara, repara neste corpo
que é flor no ato de florir
entre barraca e prancha de surf,
luxuosamente flor, gratuitamente flor
ofertada à vista de quem passa
no ato de ver e não colher.
II
Eis que um frenesi ganha este povo,
risca o asfalto da avenida, fere o ar.
O Rio toma forma de sambista.
É puro carnaval, loucura mansa
a reboar no canto de mil bocas,
de dez mil, de trinta mil, de cem mil bocas,
no ritual de entrega a um deus antigo,
deus veloz, que passa e deixa
rastro de música no espaço
para o resto do ano.
E não se esgota o impulso da cidade
na festa colorida. Outra festa se estende
por todo o corpo ardente dos subúrbios
até o mármore e o ray-ban
de sofisticados, burgueses edifícios:
uma paixão:
a bola
o drible
o chute
o gol
no estádio-templo onde se celebram
os nervosos ofícios anuais
do Campeonato.
Cristo, uma estátua? Uma presença,
do alto, não dos astros
mas do Corcovado, bem mais perto
da humana contingência,
preside ao viver geral, sem muito esforço,
pois é lei carioca
(ou destino carioca, tanto faz)
misturar tristeza, amor e som,
trabalho, piada, loteria
na mesma concha do momento
que é preciso lamber até a última
gota de mel e nervos, plenamente.
A sensualidade esvoaçante
em caminhos de sombra e ao dia claro
de colinas e angras,
no ar tropical infunde a essência
de redondas volúpias repartidas.
Em torno da mulher
o sistema de gestos e de vozes
vai-se tecendo. E vai-se definindo
a alma do Rio: vê mulher em tudo.
Na curva dos jardins, no talhe esbelto
do coqueiro, na torre circular,
no perfil do morro e no fluir da água,
mulher mulher mulher mulher mulher.
III
Cada cidade tem sua linguagem
nas dobras da linguagem universal.
Pula
do cofre da gíria uma riqueza,
do Rio apenas, de mais nenhum Brasil.
Diamantes-minuto, palavras
cintilam por toda parte, num relâmpago,
e se apagam. Morre na rua a ondulação
do signo irônico.
Já outros vêm saltando em profusão.
Este Rio...
Este fingir que nada é sério, nada, nada,
e no fundo guardar o religioso
terror, sacro fervor
que vai de Ogum e Iemanjá ao
Menino Jesus de Praga,
e no altar barroco ou no terreiro
consagra a mesma vela acesa,
a mesma rosa branca, a mesma palma
à Divindade longe.
Este Rio peralta!
Rio dengoso, erótico, fraterno,
aberto ao mundo como uma laranja
de cinqüenta sabores diferentes
(alguns amargos, por que não?),
laranja toda em chama, sumarenta
de amor.
Repara, repara nas nuvens: vão desatando
bandeiras de púrpura e violeta
sobre os montes e o mar.
Anoitece no Rio. A noite é luz sonhando.
Bom, a poesia do Drummond é essa. É uma homenagem ao Rio.
RETRATO DE UMA CIDADE
I
Tem nome de rio esta cidade
onde brincam os rios de esconder
Cidade feita de montanha
em casamento indissolúvel
com o mar.
Aqui
amanhece como em qualquer parte
do mundo
mas vibra o sentimento
de que as coisas se amaram durante a noite.
As coisas se amaram. E despertam
mais jovens, com apetite de viver
Os jogos de luz na espuma,
o topázio do sol na folhagem,
a irisação da hora
na areia desdobrada até o limite do olhar.
Formas adolescentes ou maduras
recortam-se em escultura de água borrifada.
Um riso claro, que vem de antes da Grécia
(vem do instinto)
coroa a sarabanda a beira-mar.
Repara, repara neste corpo
que é flor no ato de florir
entre barraca e prancha de surf,
luxuosamente flor, gratuitamente flor
ofertada à vista de quem passa
no ato de ver e não colher.
II
Eis que um frenesi ganha este povo,
risca o asfalto da avenida, fere o ar.
O Rio toma forma de sambista.
É puro carnaval, loucura mansa
a reboar no canto de mil bocas,
de dez mil, de trinta mil, de cem mil bocas,
no ritual de entrega a um deus antigo,
deus veloz, que passa e deixa
rastro de música no espaço
para o resto do ano.
E não se esgota o impulso da cidade
na festa colorida. Outra festa se estende
por todo o corpo ardente dos subúrbios
até o mármore e o ray-ban
de sofisticados, burgueses edifícios:
uma paixão:
a bola
o drible
o chute
o gol
no estádio-templo onde se celebram
os nervosos ofícios anuais
do Campeonato.
Cristo, uma estátua? Uma presença,
do alto, não dos astros
mas do Corcovado, bem mais perto
da humana contingência,
preside ao viver geral, sem muito esforço,
pois é lei carioca
(ou destino carioca, tanto faz)
misturar tristeza, amor e som,
trabalho, piada, loteria
na mesma concha do momento
que é preciso lamber até a última
gota de mel e nervos, plenamente.
A sensualidade esvoaçante
em caminhos de sombra e ao dia claro
de colinas e angras,
no ar tropical infunde a essência
de redondas volúpias repartidas.
Em torno da mulher
o sistema de gestos e de vozes
vai-se tecendo. E vai-se definindo
a alma do Rio: vê mulher em tudo.
Na curva dos jardins, no talhe esbelto
do coqueiro, na torre circular,
no perfil do morro e no fluir da água,
mulher mulher mulher mulher mulher.
III
Cada cidade tem sua linguagem
nas dobras da linguagem universal.
Pula
do cofre da gíria uma riqueza,
do Rio apenas, de mais nenhum Brasil.
Diamantes-minuto, palavras
cintilam por toda parte, num relâmpago,
e se apagam. Morre na rua a ondulação
do signo irônico.
Já outros vêm saltando em profusão.
Este Rio...
Este fingir que nada é sério, nada, nada,
e no fundo guardar o religioso
terror, sacro fervor
que vai de Ogum e Iemanjá ao
Menino Jesus de Praga,
e no altar barroco ou no terreiro
consagra a mesma vela acesa,
a mesma rosa branca, a mesma palma
à Divindade longe.
Este Rio peralta!
Rio dengoso, erótico, fraterno,
aberto ao mundo como uma laranja
de cinqüenta sabores diferentes
(alguns amargos, por que não?),
laranja toda em chama, sumarenta
de amor.
Repara, repara nas nuvens: vão desatando
bandeiras de púrpura e violeta
sobre os montes e o mar.
Anoitece no Rio. A noite é luz sonhando.
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