Preto, pobre e suburbano

Esse aqui é o cotidiano de um simples jornalista carioca que mora e circula pra cima e pra baixo na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Mas acaba sempre voltando pra a base, em Bangu - terra onde só os fortes sobrevivem pq é longe pra burro e tem que ter saco pra aturar as idas e vindas...

quinta-feira, agosto 28, 2003

Minha pobretude em questão

Assim como minha pretitude tem sido questionada por pessoas muito mal intencionadas, minha pobretude tb entrou nesse rol que coisas dubitáveis. Há pouco ouvi a frase de uma colega, que auto-intitulou-se "um personagem saío das novelas de Manoel Carlos". Ela disse "já conheci gente que tira onde de rico sem ser, mas tirar onda de pobre sem ser pra mim é raro". Procuro não acreditar que o sujeito em questão seja eu, mas por via das dúvidas tasco um pedaço da coluna do figuraça e colunista do Globo, João Ximenes Braga. Esse trecho foi publicado na última coluna, que saiu sábado.

Segundo a teoria revolucionário do Ximenes, sua classe social é inversamente proporcional a quanto você gasta numa festa, ao menos no Rio. Na qualidade de pobre convicto, quando faço festa em casa faço questão q nenhum furingudo, digo, convidado leve qq coisa. Quero todos saiam chapados e empanturrados a ponto de vomitar. Mas que nao vomitem na minha casa, né. O texto tem link pra coluna dele por completo.

Festa

Um tio sábio, que morreu pobre e ainda por cima pobre, costumava dizer: “Quem nasce pra tatu, morre cavucando.” Mas será só o destino que faz de alguém rico, pobre ou classe média? Começo a traçar uma tese revolucionária a respeito: pelo menos no Rio, sua classe social é inversamente proporcional a quanto você gasta numa festa.

É verdade que não freqüento festa de rico. Às poucas que fui, estava com um bloquinho na mão e um crachá no peito. Mas há pouco tempo vi-me como acompanhante de uma convidada à festa de um homem muito, muito rico (herdeiro, namora modelos, aparece em revistas de sala de espera de médico), e descobri, chocado, que não havia serviço. Nem um canapê. Nem um garçom com água. Só fila para dois estandes patrocinados por marcas de bebida alcoólica. Única conclusão possível: o cara é rico porque, quando dá uma festa para aparecer nas colunas sociais, arruma patrocínio, e o que economiza em uísque e champanhe deve estar aplicado no mercado financeiro.

Já pobre… Pobre, vocês sabem, quando dá festa é um tal de gastar uma dinheirama em feijão, maminha, cerveja, brigadeiro, e ainda fica ofendidíssimo se os convidados não saem de lá empanturrados. Essa gentinha…

E a classe média? Essa gasta medianamente: compra pães, frios, pastas. Mas todo mundo contribui com a bebida. Aí chegamos à típica festa do carioca classe-média-zona-sul entre os 20 e poucos e os 30 e tantos anos. O convite, feito por telefone ou e-mail, sempre traz duas ressalvas: 1- “Tô pedindo pras pessoas trazerem bebida, sacumé, né?, nessa crise…”; 2- “Claro, você pode chamar quem quiser, é só trazer mais bebida.”

Afinal, se cada um traz seu farnel alcoólico, por que impor limites? Mal sabe o festeiro, contudo, que ao mencionar o item dois ele acaba de comprar seu tíquete para o inferno. Pois ignorou o fator Baixo Gávea.

É fato comprovado por pesquisas: em toda festa na Zona Sul, sempre há pelo menos um convidado que passa antes no Baixo Gávea. Ele encontra um conhecido. Comenta sobre a festa: “É só levar cerveja.” O efeito multiplicador é avassalador. Não só porque os conhecidos vão comentar com outros, mas os desconhecidos vão entreouvir a conversa e decorar o endereço.

Resultado: às duas da manhã, o Baixo Gávea inteiro está na sua casa. Com um detalhe: quem não conhece o anfitrião n-u-n-c-a leva bebida. “Vou só dar uma passada, se estiver ruim eu volto da porta, então pra que comprar bebida?”, pensa. Às 2h45m, a cerveja acaba e o melhor amigo do dono da casa passa o chapéu para comprar mais. Mas os penetras, que já decidiram ficar na festa, não contribuem. Às 3h13m, um engraçadinho que não sabe mexer no mixer estoura as caixas de som e sequer pede desculpas. Às 3h48m, há uma fila enorme no banheiro, porque tem gente usando o cômodo para fins diversos. Às 17h24m, o dono da casa acorda e vê que as paredes têm marcas de sola de sapato. Vidros de perfume e CDs foram roubados. Sem falar no corpo inanimado no sofá.

E voltando ao tatu… O problema é que há uma ala de cariocas que, quando se trata da casa alheia, segue outra máxima: “em caminho de paca, tatu caminha dentro”.